Dizem
que
o
tempo
sara
todas
as
feridas
.
Talvez
seja
verdade
.
Mas
há
feridas
que
parecem
não
sarar
.
Sangram
,
vertem
pus
,
voltam
a
sangrar
,
surpreendem
-
nos
a
magoar
a
alma
quando
esta
já
deveria
estar
habituada
e
a
tanta
dor
.
É
certo
que
,
às
vezes
,
essas
feridas
acalmam
,
como
as
marés
que
recolhem
a
água
e
recuam
para
o
mar
alto
;
mas
,
tal
como
as
marés
,
regressam
depois
,
revigoradas
,
,
invadindo
de
novo
a
praia
e
fazendo
sentir
o
fulgor
da
sua
presença
,
o
ímpeto
do
seu
regresso
.
Paulino
Jesus
da
Conceição
tinha
uma
dessas
feridas
.
Sentia
-
a
por
vezes
a
apertar
-
lhe
o
pescoço
até
quase
não
conseguir
respirar
,
sentia
-
a
dentro
de
si
em
parte
,
ora
na
cabeça
,
ora
no
coração
,
ora
no
ventre
,
ora
nos
pulmões
.
Sentia
-
a
nas
pernas
e
nos
olhos
.
Sabia
que
ela
estava
dentro
de
si
,
mas
,
se
lhe
perguntassem
onde
se
encontrava
exatamente
,
não
saberia
responder
.
Ou
melhor
,
sabia
;
no
fundo
,
no
fundo
,
sabia
bem
onde
encontrá
-
la
.
Estava
na
memória
,
escondia
-
se
no
passado
,
um
passado
que
desesperadamente
se
esforçava
por
romper
pelo
presente
,
agarrando
-
se
a
Paulino
como
se
ele
fosse
a
sua
tábua
de
salvação
,
a
sua
resposta
à
angústia
do
esquecimento
,
do
desaparecimento
,
do
silêncio
.
Mas
Paulino
sabia
que
esta
ferida
jamais
cicatrizaria
.
Podia
talvez
dar
um
momento
de
descanso
,
distrair
-
se
,
ir
dormir
a
sesta
,
mas
à
primeira
oportunidade
lá
estava
ela
,
voltava
sempre
,
regressava
para
torturar
o
homem
que
a
trazia
dentro
de
si
,
arrastando
-
o
para
um
estado
de
demência
que
se
apossava
da
sua
alma
e
o
conduzia
ao
desespero
.
Era
já
contra
a
loucura
que
Paulino
lutava
,
e
foi
em
nome
da
luta
pela
sanidade
que
tomou
uma
decisão
naquele
dia
20
de
janeiro
de
2002
.
Tinha
quarenta
e
seis
anos
de
idade
,
ia
fazer
quarenta
e
sete
a
6
de
abril
,
e
já
não
podia
viver
assim
.
Levantou
-
se
nessa
manhã
pelas
seis
horas
,
como
era
costume
.
E
,
também
como
lhe
acontecia
nos
últimos
dezanove
anos
,
acordou
transpirado
,
assustado
,
pelo
mesmo
pesadelo
que
assombrava
as
suas
conturbadas
e
noites
de
sono
.
Há
já
dezanove
anos
que
sonhava
com
os
mesmos
rostos
e
as
mesmas
vozes
,
as
mesmas
palavras
a
ressoar
na
cabeça
enquanto
dormia
,
os
mesmos
ecos
que
emergiam
da
noite
dos
tempos
,
amplificados
,
.
Entrega
-
lhe
o
crucifixo
.
Nem
numa
noite
esses
fantasmas
o
largaram
.
(
José
Rodrigues
dos
Santos
,
A
Ilha
das
Trevas
,
2002
)
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